Estava na Espanha, país em que sou professora convidada da Universidade de Barcelona para dar aulas sobre Desenvolvimento Pessoal e da Carreira, e um fato curioso e ao mesmo tempo engraçado me chamou a atenção lá.
Precisei ir a um salão de beleza para cortar e arrumar meu cabelo. Logo que cheguei ao salão, quando fui ser atendida, sentei-me, como nós sempre fazemos aqui no Brasil, e o cabeleireiro me surpreendeu:
– A Senhora pode ficar em pé, por favor? Para que eu alinhe melhor o corte do seu cabelo.
Imagine a minha reação quando o moço me pediu para ficar em pé! Então perguntei a ele:
– Mas, como você vai arrumar meu cabelo?
– Vou fazer um cabelo divertido, oras.
Após, ele falar isso, o medo começou a me gelar a espinha. Afinal, primeiro ele pede para eu ficar em pé, depois diz que vai fazer do meu cabelo um cabelo divertido ???
– Mas o que é um cabelo divertido ? – indaguei.
– Ah…Isso é simples. Assim, a senhora mesmo pode arrumar seu cabelo sempre que precisar. Afinal, as mulheres sempre reclamam que quando saem do salão, o cabelo está divino, mas quando chegam as suas casas, o cabelo desmorona, e elas não conseguem fazer seus penteados sozinhas. Então aprenda: é só bagunçar sempre o cabelo fazendo assim – nessa hora, ele parecia ensaboar meus cabelos com as mãos -. A Senhora faz assim, chacoalha bem o cabelo, deixa ele bem bagunçado mesmo. Então ele nunca estará desarrumado! Compreendeu?
– Sim, compreendi! Mas é um cabelo que chama muito a atenção!
– Mas, a Senhora quer ser transparente por um acaso?
Então, me dei conta do enorme aprendizado que aquele cabeleireiro me ensinou. Realmente não queremos ser transparentes, embora estejamos assim a maior parte do nosso tempo. Aprendemos a seguir regras e a não sair dos padrões. Dessa forma, ficamos transparentes perante o próximo, transparentes a nossa família e transparentes também diante dos acontecimentos mundiais. Parece que nos tornamos seres mecânicos, que agem sem ao menos saber o porquê. Fatos que eram para nos deixar atônitos, simplesmente passam desapercebidos por nós. Enquanto comemos, assistimos ao noticiário da TV, e nem mesmo as más notícias ou os desastres alheios fazem com que paremos de nos alimentar. Não nos toca mais. Ficou transparente. Ver a miséria pela janela do carro, ou a violência em toda parte, passou a ser algo natural, não nos atinge. Mal ouvimos o que o outro tem a nos dizer, estamos superficiais. Vivemos numa seqüência de dormir-acordar-comer-trabalhar-dormir-acordar-comer-trabalhar…
Saí do salão e fui andar pelas ruas. Pensei na vida, e nessas atitudes. E, sim, ninguém notava o meu cabelo divertido e bagunçado. Lembrei do cabeleireiro novamente… Ele tinha razão, estamos todos transparentes. E essa sensação foi corroendo minha mente, até que avistei a minha frente uma passeata de homens, no meio das ruas, em ato de protesto. Em suas faixas, palavras enormes diziam: DIREITOS IGUAIS PARA HOMENS E MULHERES / TAMBÉM TEMOS O DIREITO DE TER A GUARDA DOS NOSSOS FILHOS ASSIM COMO AS MÃES.
Fiquei impressionada e ao mesmo tempo muito feliz com o que vi. Afinal, nunca imaginaria que um dia veria homens protestando a favor de direitos iguais ao das mulheres. Sinal de que os tempos mudaram, mas muito mais que isso, sinal de que há pessoas, assim como o cabeleireiro, que se negam a ser transparentes. São pessoas que lutam por um mundo melhor e justo para todos. Pessoas que conhecem a sua missão e sabem da importância dela, não apenas para si próprios, mas para todos ao seu redor. São pessoas que vêem e são vistas.
Se cada um de nós tivesse essa consciência de que ver e ser visto é o grande trunfo, além de encontrarmos a nossa felicidade, com certeza faríamos desse mundo um lindo lugar para todos nós. Já refletiu sobre isso? Você tem sido transparente ultimamente?
Por Leila Navarro, palestrante.
“Leila Navarro é autora de vários livros e uma das palestrantes mais requisitadas do Brasil, ministrando palestras em todo o Brasil e na Europa.”