O futuro dos palestrantes no Brasil: entre gurus, mercado e uma nova consciência.
Por Leila Navarro
O Brasil vive um fenômeno curioso e, ao mesmo tempo, revelador: a ascensão dos palestrantes como figuras públicas, quase gurus, que não apenas compartilham conhecimento, mas moldam tendências, inspiram comportamentos e movimentam bilhões em treinamentos, convenções e eventos corporativos. Nunca antes tivemos tantos profissionais disputando espaço no palco, e nunca o mercado esteve tão carente de autenticidade, profundidade e visão de futuro.
Mas há um ponto crítico: estamos formando palestrantes para repetir fórmulas, vender frases de efeito e buscar aplausos fáceis ou para provocar transformação real nas pessoas, organizações e comunidades?
A era dos gurus e a sedução do palco
Desde os anos 1990, com nomes como Roberto Shinyashiki, Mario Sergio Cortella, Marco Aurélio Vianna, Augusto Cury e outros, o Brasil construiu uma indústria de palestras que se consolidou como parte da vida corporativa. Em convenções de vendas, semanas da SIPAT ou grandes congressos, sempre havia uma figura central no palco: alguém capaz de entreter, motivar e, de quebra, vender livros no final.
Esse movimento cresceu com figuras carismáticas como Max Gehringer, que trouxe o olhar prático do mundo corporativo, ou Clóvis de Barros Filho, que levou a filosofia para o grande público. Nos últimos anos, vimos nomes como Murilo Gun tensionarem os limites, trazendo humor, criatividade e inovação para o palco.
E eu, Leila Navarro, vivi esse processo de dentro para fora. Sou parte dessa história e também uma crítica dela. Aprendi que o palco pode ser tanto trampolim para o ego quanto espaço sagrado de serviço. A diferença está em como entendemos nosso papel diante da plateia.
O mercado mudou: o público quer mais
O contratante de hoje já não se encanta apenas com frases motivacionais ou histórias de superação repetidas. Empresas e instituições vivem cenários complexos: transformação digital, inteligência artificial, saúde emocional, diversidade, ESG, novas gerações. E os palestrantes que não acompanham esse ritmo estão ficando para trás.
É nesse ponto que o mercado se divide:
Os palestrantes celebridade, que atraem público, mas muitas vezes entregam superficialidade.
Os palestrantes conteúdo, que oferecem densidade, mas nem sempre conseguem comunicar com energia.
E uma terceira categoria emergente: os palestrantes experiência, que unem profundidade, vivência sensorial e visão de futuro, um caminho que acredito ser essencial.
Para onde vamos
Na minha visão, o próximo salto do mercado de palestras no Brasil será a despadronização. O contratante não quer mais o mesmo roteiro batido. Quer vivência, provocação, desconforto produtivo. Quer que sua equipe saia diferente, não apenas animada por algumas horas.
E aqui está o desafio: estamos preparados para assumir que o palco não é sobre nós, mas sobre o outro?
O palestrante precisa virar espelho, não holofote.
Precisa ser ponte entre tendências e gente real, traduzindo futuro em linguagem acessível.
Precisa ser código aberto, permitindo que suas ideias circulem, se transformem e gerem impacto além da sua própria fala.
O Brasil tem talento
Apesar dos riscos da massificação, temos algo único: a brasilidade. Nossa diversidade, nossa capacidade de improviso, humor e empatia nos tornam, naturalmente, comunicadores poderosos. O mundo inteiro admira nossa leveza. Mas é hora de levar essa leveza para o próximo nível: menos show, mais sentido.
Nomes já mostram esse caminho. Mario Sergio Cortella continua provocando reflexão filosófica em meio ao caos corporativo. Murilo Gun ousou criar a Escola da Vida Desaprender, apostando em educação criativa. Eu, Leila Navarro, venho defendendo a ideia de uma liderança sensorial e de uma palestra experiência, onde não há apenas conteúdo, mas um estado de presença que transforma.
E poderíamos citar muitos outros. A lista é tão longa que daria um livro, talvez até uma bíblia dos palestrantes brasileiros. Para não ser injusta, menciono apenas alguns que traduzem bem essa potência: Clóvis de Barros Filho, Leandro Karnal, Dado Schneider, Rossandro Klinjey, Monja Coen, Viviane Mosé, Eduardo Tevah, Marcelo Ortega, Eduardo Carmello, Sidnei Oliveira, Luciano Pires, Claudio Tomanini, José Luiz Tejon, Eugênio Mussak, Alfredo Rocha, Rafael Baltresca, Gustavo Cerbasi, Daniela do Lago, Ana Artigas, Claudio Diogo, Irineu Toledo. Cada um, à sua maneira, mostra que a palestra pode ser mais do que uma fala: pode ser uma experiência transformadora.
Um chamado ao mercado
Se você é palestrante, este é o convite: reflita. Você quer ser lembrado como um animador de plateia ou como alguém que ajudou a reescrever mentalidades?
Se você é contratante, este é o alerta: invista não no nome mais famoso da vez, mas na voz que vai tocar o coração, provocar a mente e gerar ação real no seu time.
O palco é poderoso demais para ser usado como vitrine de vaidades. Ele precisa ser usado como laboratório de futuro, espaço de consciência e lugar de transformação.
Conclusão
Estamos em um ponto de inflexão. O mercado de palestrantes no Brasil pode se perder em superficialidades ou pode se reinventar como um dos mais criativos e transformadores do mundo.
Eu aposto na segunda opção. Porque acredito que o palestrante do futuro não é aquele que fala bonito, mas aquele que desperta no outro a coragem de pensar, sentir e agir de forma diferente.
E você, contratante ou palestrante, de que lado dessa história quer estar?
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Leila Navarro é palestrante experiência, futurista e autora do conceito de liderança sensorial. Reconhecida como uma das maiores palestrantes do Brasil, traz em suas reflexões a urgência de reinventar o palco como espaço de transformação humana em um mundo tecnológico.