Todo mundo devia passar por um furacão
“Todo mundo. Sem exceção.
A gente tem manicure marcada, o frango descongelado, mas nenhum cotidiano sobrevive a um furacão. E a gente só sabe disso quando vive. Todo mundo devia passar por um furacão; pra ter que escolher entre ir e ficar. Correr ou esperar. Empacotar ou respirar.
Com exceção das evacuaçōes mandatórias, penso que não tem escolha certa e escolha errada. Mas que todo mundo devia parar pra pensar: “Vou ou fico?” “Tenho pra onde correr?” E, mais importante ainda, “tenho com quem correr?” Todo mundo devia passar por um furacão e falar com as pessoas com quem vive: “Eu quero ir.” “Eu não quero.” “Aqui é seguro.” “Mas eu não me sinto segura”. “Então eu vou sozinho.” “Eu não fico sem você.”
Todo mundo devia passar por um furacão pra falar o que sente…
Todo mundo devia passar por um furacão, pegar a estrada e perceber que esqueceu aquele documento importante para, em seguida, se dar conta que aquele documento não tem a menor importância. E o que tem está aqui. No banco de trás reclamando de calor, no banco ao lado exagerando no ar condicionado.
Todo mundo devia passar por um furacão e praticar empatia. Todo mundo devia ter uma rede de apoio, ainda que virtual, para dizer: “Não aguento mais, estou dirigindo há 14 horas”. E ouvir, de um desconhecido, uma mensagem simples: “Calma, tem um posto aberto na 75, pega a esquerda”. “Falta pouco”. “Força”. “Você consegue.”
Todo mundo devia passar por um furacão e chegar num hotel mequetrefe de beira de estrada. E, mesmo com cama faltando e sem ar condicionado, erguer o pensamento aos céus: Obrigada por esse abrigo, meu Deus.
Todo mundo devia passar por um furacão e comer um pote de M&M como se o mundo fosse acabar – porque, afinal, vai que… Todo mundo devia passar por um furacão para estudar, em detalhes, o mapa de onde se vive e aprender, em minutos, mais do que em todas as aulas de geografia da vida. Todo mundo deveria passar por um furacão e enlouquecer atrás de um hotel que aceite bicho, para também dar uma prova de amor ao seu cachorro.
Todo mundo devia saber que nosso planeta é nosso abrigo, nosso corpo nossa casa; e só.
Todo mundo deveria passar por um furacão para saber-se vulnerável, mas, sobretudo, para saber-se forte. Para respirar fundo, fazer uma cama no corredor, um cafofo no closet e dormir abraçado a quem se tem…
Todo mundo devia passar por um furacão para, por fim, amanhecer em gratidão com o primeiro raio de sol, com um pato que invade o seu quintal, ou com o canto daquele passarinho que, por algum dos muitos milagres da natureza, também sobreviveu.”